Lila z"l

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Dona de uma ótima memória, Lizelotte Wachsmann (afetuosamente chamada de Lila) guarda com carinho muitas recordações. Lembra com emoção da imagem do pai voltando são e salvo de um desmoronamento no interior de uma mina de carvão. “Ele enfrentou o perigo sem medo e salvou a vida de várias pessoas”, conta ela, orgulhosa.

Isso foi no início do século XX, na pequena cidade mineira de Beuthen, na Alemanha, quando ela, ainda criança, presenciou seu pai voluntariando-se heroicamente para livrar as vítimas do acidente. Ele fazia parte da Defesa Civil da cidade, como bombeiro.

Aos 17 anos, logo após a morte de seu pai, Lila começou a trabalhar como secretária em um escritório. Certa vez seu chefe, um não-judeu, disse-lhe seriamente, com muita preocupação e afeto: “Deixe já a Alemanha. Algo de muito ruim está para acontecer com os judeus. Vá embora o quanto antes”. Corria o ano de 1935, e Lila tinha então 24 anos.

Seu primo comprou-lhe um baú para colocar o seu enxoval: vestido de noiva, roupas de cama, toalhas, utensílios para cozinha, talheres, e ela embarcou para o Brasil. Esse baú Lila guardou até vir para S. Paulo; seu neto adorava brincar com ele, sentando-se e pulando de cima dele!

Seu noivo, também alemão, já estava no Brasil, esperando por ela no Rio de Janeiro, e seu futuro sogro levou-a ao porto de Hamburgo, onde ela embarcou. Na sua cabine já estava alojada uma moça que não era para estar lá. Lila, sempre muito determinada, fê-la sair, pois aquela era a “sua” cabine! Quando a sua real companheira de cabine viu suas roupas e enxoval, quis a todo custo comprar alguma coisa, e ela disse que não podia vender nada, pois estava indo para casar no Brasil e isso era tudo que ela possuía.  A outra acalmou-se e ambas chegaram ao seu destino...

Já casada, ela e o marido prepararam a documentação para trazer sua mãe, que chegou algum tempo depois, já não podendo trazer nada consigo, pois foi tirada da casa com a roupa do corpo. Felizmente, tinha no Rio de Janeiro a filha e o genro, onde foi feliz por alguns anos, até falecer. Lila teve um único filho, Ernesto.

Atualmente, com 102 anos, Lila fala muito de seu passado, da casa de seus pais, da sinagoga e do clube juvenil religioso Bnei Yeshurun.

Uma história que relembra com frequência é a de três meninos que chegaram à sua casa. Como a Polônia era um país onde o antissemitismo sempre foi intenso, as famílias com menos recursos eram quase que forçadas a “despachar” seus filhos para outros países em busca de melhores condições e de uma boa educação judaica, além de escapar do serviço militar, que era muito duro para os judeus. Os jovens iam com um ou dois endereços de famílias judias e estas encarregavam-se de “passá-los adiante”.

Esses três meninos chegaram à casa de Lila, por volta de 1925, sujos e maltrapilhos. Traziam uma carta de seus pais, dizendo que não tinham como sustentá-los e os mandavam para a Alemanha, para de lá seguirem em frente. O pai de Lila mandou-os banharem-se, deu-lhes roupas limpas, comida e abrigo. No Shabat foram à sinagoga e no domingo seu pai lhes deu dinheiro para irem em frente. Tomaram um trem e foram para a cidade mais próxima, Breslau, e assim seguiram caminho. Chegaram até os Estados Unidos, onde um deles tornou-se um famoso chazan!

Em 1968, um triste acontecimento vitimou o marido de Lila, que foi atropelado no Rio de Janeiro, em uma sexta-feira pela manhã, muito jovem ainda. Foi um Shabat triste aquele...

Alguns anos depois, seu filho, Ernesto, casou-se com Lilia e tiveram um filho, George. Em 1982, Ernesto veio com a família para S. Paulo e, em 1994, trouxeram Lila para morar com eles.

Lila tem também dois bisnetos: Naomi, de 10 anos, e Michel, de 8, que conhecem todas as histórias da bisavó e adoram ouvi-las, repetidamente, à mesa do Shabat.